Täze ruh

Eu não sabia há quanto tempo estava caminhando pelo deserto. Suas areias multicores, com miragens das mais distintas, pareciam eternas. O vento quente, que em seu toque já queimava a minha pele. O Sol que não permitia o atrevimento de o encarar.

Os dias eram quentes, com a areia ora branca, ora amarelada. O crepúsculo trazia cores que se espalhavam durante a noite, apresentando um espetáculo fabuloso, mas ao mesmo tempo amedrontador. Durante a madrugada, a areia se convertia em neve, para depois voltar a ser areia.

Tentava não dormir, porque, cada vez que o fazia, era lançado para outra parte desse mesmo deserto, porém totalmente desconhecida.

Minha mente estava confusa; eu nem mesmo sabia quem era ou o que estava fazendo naquele lugar. E onde estavam as pessoas?

Não conseguia precisar quantos dias haviam passado, mas, após ser lançado para diferentes partes do deserto e depois de presenciar essa transmutação completa da areia algumas vezes, finalmente vi algo que não parecia uma miragem. Era uma grande parede negra com uma gigantesca porta de metal.

Ao me aproximar, comecei a ouvir barulhos de pessoas trabalhando, outras dando gargalhadas e algumas em gritos agonizantes. Não tinha certeza se deveria tentar entrar naquele lugar, mas que esperança eu tinha? Até então, tudo o que vira foram miragens, e nada parecia tão real quanto aquele lugar.

Enquanto me aproximava, vi animais que me cercavam, mas que não eram reais. Vi pássaros cantando suas melodias, que também só existiam em minha percepção. Vi cidades belíssimas, com suas fontes e suas donzelas, todas imaginadas pelo casamento do meu desespero com o tédio do próprio deserto. Vi veículos guiados por cavalos e aqueles que voavam. Vi pessoas usando peles de animais, outras em belas roupas de seda e umas tantas em trajes espaciais.

Quando me aproximei do portão, um homem vestindo uma armadura negra emergiu do chão, como se fosse feito de vapor e se materializasse diante de mim. Tive dúvidas se não seria outra miragem, mesmo assim, me aproximei.

Então, o cavaleiro negro disse: “Täze ruh. Sen dowzaha geldiň.”, que, por alguma razão oculta, pude entender como “Uma nova alma. Você chegou ao inferno.” Não tive tempo de questionar o que me parecia mais assustador do que as variações no humor do deserto. Logo me vi dentro de uma cela, preso em uma espécie de cadeira médica, onde seres humanos dos mais desprezíveis mordiam meu corpo e me sugavam. Inicialmente, isso me pareceu prazeroso, quase orgástico, mas, em pouco tempo, comecei a sentir dores horríveis, um pavor indescritível e, o pior, uma sensação de vazio como se eu próprio desaparecesse a cada sucção.

As criaturas pareciam sentir prazer naquilo, parecendo não ter muita noção do que eram ou mesmo do que acontecia. Eram criaturas bestiais, talvez fossem vampiros; eu não sabia. Dizem que os vampiros bebem sangue, mas aquelas sugavam alguma outra coisa.

Novamente, não sei precisar quantos dias passei naquele lugar e naquela condição, o que pode fazer você pensar que meu relato é inverossímil, mas eu tenho que ter fé de que alguém acreditará e poderá me socorrer, talvez seja você.

Após vários dias naquela condição, cada vez mais me sentia fraco e consumido pelo medo, sentindo como se eu próprio estivesse me tornando uma daquelas criaturas, mas não havia muito o que fazer, a não ser me render, talvez esse fosse o plano de Deus para mim.

Quando estava pronto para me entregar à morte, se é que estava vivo, apareceu outro soldado, também vestindo negro, mas de uma beleza excelsa. Parecia um cavaleiro das histórias de princesas, o que me tornaria, se fosse preciso, desde que ele me resgatasse. Então, ele disse: “Bu eýýäm gowy. Bir jaýda oturdyň”, que novamente pude entender as palavras como “Já está bom. Instale-o em alguma casa.”, mesmo sem entender o sentido.

Novamente outro apagão, tudo escuro e o silêncio prazeroso da noite.

Quando acordei, já estava neste lugar em que estou agora, sem mais um corpo humano convencional, mas com esses tentáculos horríveis, essas coisas que parecem ter vida própria e que se acoplam nas pessoas que aqui param, sugando a mesma coisa que outrora sugaram de mim, e é tudo tão dolorido e prazeroso, talvez o verdadeiro paradoxo da vida.

“Mãe... Tem um monstro no banheiro...”

“Para com isso, menino! Não tem nada aqui!”, disse a mãe do menino, enquanto olhava para dentro do banheiro.

“Os monstros são reais, e os fantasmas também. Eles vivem dentro de nós, e, às vezes, eles vencem.”

STEPHEN KING