O Porco

"Esse porco tá com o demônio", disse José enquanto encarava um porco que já estava há dias parado sem fazer o menor movimento. "Eu não saio daqui enquanto isso não agir feito um porco", continuou José, enquanto pegava uma cadeira e uma arma, sentando-se na frente do porco.

"Larga disso!", respondeu a mulher de José.

Os dias passaram, talvez uma semana, e José ficou encarando o porco. Só se alimentando quando a mulher levava o que beber ou comer.

"O porco tá ficando mais gordo", disse José enquanto a mulher recolhia o prato sujo.

"Como tá ficando mais gordo? Ele não come nada.", respondeu a mulher.

"Tem algo se mexendo dentro dele. E é o próprio demônio, é o coisa ruim. Tenho certeza disso.", afirmou José.

Com o passar dos dias, a mulher ficava cada vez mais preocupada. Eram o porco e o homem parados, um encarando o outro.

Cansada disso, a mulher chamou o irmão de José, o padre e alguns vizinhos, com a esperança de que ajudassem a dissuadir aquela loucura do marido.

O primeiro a chegar foi o irmão, que chegou ao lado de José e ficou parado por um tempo, talvez meia hora, uma hora, quem sabe?

"Está vendo?", perguntou José.

"Maldito porco", respondeu o irmão.

"É o demônio!", continuou José.

"Só pode ser", consentiu o irmão.

Ambos ficaram parados encarando o porco, sem dizer nada. Bebiam água e comiam apenas porque a mulher levava para eles.

"O que se passa, minha filha?", perguntou o padre ao chegar.

"Ora, são aqueles dois e o porco. Ficam se encarando dia e noite. E José acredita que pode ser o demônio", respondeu a mulher.

"Não acredito! Vou avaliar a situação", falou.

A mulher levou o padre até onde o marido estava sentado com o irmão ao seu lado, ambos encarando o porco, que, imóvel, ficava olhando fixadamente sua platéia.

"Que criatura fascinante!", disse o padre ao se aproximar.

"É o demônio, padre", respondeu José.

"Não temos dúvidas", afirmou o irmão.

O padre encarou ambos por algum tempo, depois se aproximou do porco, o que fez José ficar em pé e apontar a arma para o padre.

"O que diabos pensa que vai fazer?", perguntou José.

"Calma, meu filho! Só vou me aproximar da criatura… Oferecer uma água benta, uma oração", respondeu o padre.

José ficou encarando o padre por algum tempo, depois se sentou e falou: "Que assim seja".

O padre se aproximou e jogou água benta na cabeça do porco, que não reagiu. Fez orações, também em vão; sinal da cruz, movimentos com a mão, fez tudo o que estava em seu arsenal de exorcismo, e nada.

Saiu de perto do porco e ficou parado ao lado de José, também encarando a criatura, sem dizer uma única palavra. Já não sabia mais o que dizer, e olhar para o porco era irresistível.

A mulher entrou em desespero, agora eram três os que ela tinha que dar água e comida, todos hipnotizados pelo maldito porco. Ela própria já estava desconfiada de que o porco realmente tivesse o demônio nele, ou ao menos algo parecido com isso.

"Ele está aumentando mais", disse José.

"Não é possível…", respondeu o padre.

"É visível, padre. Olha o tamanho dele", disse o irmão apontando para o porco, que já estava da altura de um cavalo.

Os vizinhos chegaram, um casal, ambos curiosos para verem o porco, que a essa hora já estava famoso em toda a região.

"Acho melhor vocês não entrarem lá. Todos que chamei foram hipnotizados pelo porco", disse a mulher.

"Mas queremos ver", disse o casal, quase que em sincronia.

A mulher, contrariada, levou os vizinhos para verem o porco.

Ao chegarem, não viram mais um porco imóvel, nem mesmo um porco gigante. Era um porco ordinário, comendo sua lavagem como um porco ordinário, fazendo seus grunhidos como um porco ordinário.

"O que aconteceu com o porco?", perguntou a mulher.

"É só um porco. Larga de besteira!", respondeu José enquanto guardava a arma e seguia para a casa.

Tanto o irmão de José quanto o padre foram embora sem dizer uma única palavra. O casal também foi embora, nitidamente chateados.

A mulher ficou algum tempo encarando o porco, vendo apenas um porco fazendo coisas de porco.

Ela seguiu para sua casa, vendo o marido parado na janela a encarando, o que, por alguma razão, fez ela sentir medo, como uma intuição que dizia que o demônio agora estava nele, talvez também no cunhado e no padre.

Entrou na casa e foi direto para o quarto, deitando-se na cama como se quisesse fugir daquilo tudo.

José se aproximou da cama e ficou parado olhando para a mulher. Ela abriu os olhos e, vendo o marido parado daquela forma, perguntou: "José? Está tudo bem?"

O homem ficou parado, olhando para a mulher, que a essa hora já sentia pavor.

"Estou com fome", disse José.

"Essas horas? Quer que eu prepare algo?", perguntou a mulher.

"Não, vamos dormir", respondeu José.

Ambos dormiram. No dia seguinte, ao acordar, a mulher se viu grávida, graúda, com um baita barrigão, como se já estivesse grávida de sete ou oito meses, talvez com nove, já prestes a dar à luz.

"O que é isso, José? Eu estou grávida?", falou a mulher.

"Não se preocupe", respondeu José enquanto pequenos tentaculos saiam de sua nuca e se movimentavam livremente, "ele vai ser o primeiro híbrido". Após alguns momentos de silêncio, completou: "O que acha de chamarmos ele de Adão?"