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Malditos cães
Os cães estavam latindo. Eles não paravam. Eu queria dormir, eu queria me entregar à minha postura fetal depois de um longo dia de trabalho, depois de um dia cheio de demandas e de pressões para que eu fosse alguma coisa que eu não sou. Mas os malditos cães não paravam de latir.
Eu me levantei, disposto a mandar para o inferno aqueles cães. Eles nem eram meus, eram da minha ex-mulher, que além de me meter os cornos, abandonou os vira-latas que ela acumulou no quintal. Eu juro para você, eu realmente ia dar cabo daquelas pragas, nem que o cão maior me buscasse depois.
Abri a porta, estava só de cueca, porque gosto de sentir a liberdade, sabe? Pelo menos em parte e quando estou dentro de casa. Eu abri a porta, peguei o martelo na caixa de ferramentas e parti para o massacre. Mas quando eu saí, os malditos cães estavam todos quietos, paralisados, todos olhando para um canto escuro no quintal. Aquela vagabunda não me deixou iluminar o quintal como eu queria, “esse dinheiro já tem finalidade”, dizia ela, me arrancando todo o meu salário e comprando ração para os vira-latas e provavelmente gastando com o rapazinho que ela levou embora no lugar dos cães.
Enfim, eu fui me aproximando lentamente. Não estava com medo, porque eu não sou homem para isso, fui com coragem e valentia, mas devagar, porque como é que diz aquele dito popular mesmo? Acho que é “melhor prevenir do que remediar”. Eu nem sei bem o que quer dizer “remediar”, mas eu sei o que é “prevenir”, e sei que é bom fazer isso na maioria das vezes.
Eu fui me aproximando lentamente. Nessa hora eu já estava aflito que pudesse ser o cão maior que veio proteger sua prole. Vai que o maldito veio me buscar antes que eu fizesse o ato final com os seus semelhantes? Mas eu não estava com medo! Só fui devagar por prevenção, e porque eu estava só de cueca. Imagina se eu morresse ali, no meio dos cães e quase nu? O que as pessoas iam pensar? Não consigo nem imaginar. Eu mesmo não sei o que pensaria. Ia achar estranho, mas não ia conseguir formar uma opinião sobre isso. Talvez a minha foto circulasse numa dessas redes sociais e as pessoas me achassem uma espécie de pervertido, quem sabe. Até a minha ex-mulher negaria me conhecer. Hoje as pessoas não podem se associar com ninguém que possa manchar a sua imagem.
Quando eu estava chegando perto do tal canto escuro, os malditos cães começaram a latir de novo e quase me fizeram me cagar todo. Malditos cães. Ainda preciso resolver o que vou fazer com eles. Os latidos deles me deram um baita susto, mas por reflexo, eu não estava com medo. Acho que já disse isso, não é? Enfim, quando me aproximei, tinham três pequenas criaturas de pele cinzenta e olhos bem grandes e pretos.
Me coloquei em posição de batalha, mas nem tive tempo de reagir. De repente, um blecaute, um apagão, tudo escuro. Quando abri os olhos novamente, eu já estava amarrado em uma maca em um lugar que parecia um centro cirúrgico ou alguma coisa.
O que você falou? Sim, eu tentei fugir, é claro. Não sou idiota. Também não sou maluco.
Eu tentei fugir com todas as minhas forças. Foi quando eu vi que um outro ser grande e com cara de lagarto se aproximou, colocou o dedo na minha testa e, por alguma razão que desconheço, falou comigo dentro da minha cabeça. A maldita criatura disse: “Não resista, senão você traumatiza”. Dá para acreditar? Eles atiçam os malditos cães, me atraem para um canto escuro, me sequestram e me amarram numa maca e depois me pedem para não resistir para não traumatizar. Meu amigo, eu já estou traumatizado desde o momento em que minha mãe me colocou nesse mundo e o médico me deu um tapa na bunda. Eu entrei no mundo apanhando, e acho que também é assim que vou sair dele.
O que disse, doutor? O meu nome? Eu já falei, não falei? Ah, desculpe. Meu nome é José Mario Gomes Alcântara da Silva, eu tenho 45 anos e fui abduzido por alienígenas.