Feliz Aniversário

Ser um barista é mais do que preparar café; é uma arte que exige paixão, precisão e paciência. Cada grão é uma promessa de uma experiência, cada vaporização uma dança. Meu ofício é conhecer os segredos escondidos em cada blend, compreender a alquimia que transforma água e café em magia. Ser barista é ser guardião de momentos, criador de sorrisos e facilitador de encontros. No fim, o que faço transcende o café; eu entrego experiências, memórias.

Mas ser um barista também me permite encontrar o silêncio em meio ao tumulto. Observo como as pessoas começam os seus dias, geralmente agitados.

“Me dê um café preto!”

“É pra já!”, respondo.

“Eu quero um expresso duplo. Estou com pressa.”

Onde está a experiência em um café “com pressa”? Parar por cinco minutos para apreciar o momento vai te fazer perder o que mesmo?

Após o pico da manhã, começam a aparecer as pessoas comuns, aquelas que estão vivendo as suas vidas, talvez sem um propósito claro, mas também sem aquela pressa para encontrar a própria morte.

“João e Mariana! Que bom ver vocês! O de sempre?”, perguntei.

“Sim, por favor!”, respondeu Mariana.

“Vocês não vão acreditar onde eu fui parar ontem!”, falou João.

“Onde? Conta logo!”, disse Mariana com visível curiosidade.

“Ontem à noite eu acabei indo parar num lugar chamado Sete Além. É um lugar... diferente de tudo que já vi.”

“Sete Além? Nunca ouvi falar... O que tinha lá?”

“Era como se fosse outro mundo. Tudo era muito antigo e misterioso, e as pessoas... elas eram cinzentas, Mariana. Não só as roupas, mas a pele também. Fiquei arrepiado só de olhar.”

“Gente cinzenta? Como assim, João? Isso soa meio assustador.”

“E foi! Eu não sei explicar, mas havia algo no ar, uma sensação de que eu não devia estar lá. E o silêncio... era ensurdecedor. Senti como se aquele lugar guardasse algo sombrio, sabe?”

“Nossa, João, que medo! Mas como você saiu de lá?”

“Ah, foi a sorte de eu ter ido de carro. Assim que percebi que algo não estava certo, voltei correndo para o carro e saí de lá o mais rápido que pude, e voltei pelo mesmo caminho que cheguei. A sensação de alívio ao ver as cores do nosso mundo novamente... não tem preço.”

“Uau, que experiência e tanto! Você acha que voltaria lá?”

“Sinceramente? Acho que não. Uma visita ao Sete Além foi mais do que suficiente para uma vida inteira. Prefiro ficar por aqui mesmo, onde as pessoas têm mais cor.”

“Com certeza! Mas que história incrível para contar, hein?”, disse Mariana enquanto sorria.

Na deixa que tive ao fim da narrativa de João, eu falei: “Aqui está o pedido de vocês…”.

“Obrigada! Vamos, João, temos que ir para o Oito Além agora!”, brincou Mariana.

“Isso não tem graça…”, falou João visivelmente chateado.

As pessoas são rodeadas de histórias. Suas vidas, os acontecimentos que se passam nas interações. Às vezes me pergunto o quão pouca importância damos para isso, sem perceber que a nossa própria vida é feita dessas histórias, uma colcha de retalhos repleta desses encontros e desencontros.

Ao final do dia, pego as minhas coisas e me despeço dos meus colegas. Gosto de voltar para casa caminhando, ouvindo os sons naturais, mas também os artificiais, que, para ser sincero, não sei bem a diferença. Para mim, tudo soa como a natureza… Os humanos têm culpa de produzir uma sonoridade muito pior do que a dos pássaros? Acho que vou pensar nisso amanhã enquanto estiver fazendo algum duplo “com pressa”.

Chego em casa e vejo minha esposa, dou um beijo nela esperando alguma surpresa.

“Oi, amor... Como foi o trabalho hoje?”, pergunta minha esposa.

“Nada de novo. As conversas de sempre. Só o João, que disse que foi parar naquele lugar que você comentou uma vez, Sete Além, sabe? E o seu?”, respondi.

“Que legal! O meu foi tudo o de sempre. Vou tomar um banho.”

“Tudo bem. Eu vou depois. Quer comer algo hoje?”, perguntei.

“Não tenho nada em mente. Escolhe alguma coisa. Ah, e feliz aniversário.”