Autopoiese

Eu via aquelas formas, aquelas variações. Eu não sabia o que eram. Apenas cores, tudo ainda sem nome, como manchas de luz dançando num espaço sem dimensão. Eram vibrações que atravessavam minha existência - quentes, outras frias, algumas suaves como carícias, outras como choques. Como eu poderia me contentar em apreciar aquelas coisas sem saber o que eram? A ânsia me tomou, e eu precisava saber, precisava dar forma ao informe. Dizem que isso é progresso, outros que isso é justamente a doença - a queda do paraíso. Como você seria mais feliz?

Me tornei forma, vivendo a autopoieses. Uma célula, duas, multiplicação em espiral numa dança microscópica de vida. Me tornei larva, que depois resolvi nomear como nojenta, pegajosa, algo visto como repugnante por aqueles que seriam superiores. Mas naquele estado primordial, eu era pura experiência - sem julgamento, sem vergonha. Eu sentia as formas no meu entorno, sentia as cores rastejarem pelo meu corpo. Sentia o gozo. Mas não era o saber. Nada tinha um nome, era apenas um oceano de sensações, um arco-íris mudo cantando na minha pele ainda indefinida. Senti a explosão se passar pelo meu corpo, como uma primeira morte, perdi novamente toda referência, e mergulhei naquela tempestade disforme.

Era larva de novo. Mas dessa vez as cores eram todas verdes e marrons, uma sinfonia terrestre que aprendi a nomear apenas depois. Me sentia integrado a tudo aquilo, como se cada fibra do meu ser fosse uma extensão daquela paisagem viva. Era tanta informação que me penetrava - texturas de folhas, umidade do ar, vibrações do vento. Eu me sentia crescendo, expandindo. Mas tudo ficou lento, como se o tempo começasse a se adensar. Eu parei de me mover e sentia que precisava entender o que era tudo aquilo. De dentro de mim, comecei a secretar fios sedosos, tecendo ao meu redor uma trama delicada, mas firme. Camada após camada, construía meu próprio espaço de reflexão, meu templo de metamorfose. O mundo exterior começou a ficar distante, abafado, enquanto eu me envolvia naquele casulo de pensamentos materializados em seda. Ali, no escuro, com minhas memórias e sensações, experimentava nova transformação.

Ainda não sabia nomear, mas me sentia mais confortável com o não saber. A definição é apenas uma ilusão que obscurece o entendimento. Eu sentia a natureza crescer dentro de mim, um novo senso de identidade, algo que eu sentia como um limite entre o que eu era e a fonte de toda experiência – talvez uma queda ainda maior, mas era uma queda necessária. Muitas vezes é preciso morrer para a verdade, ser engolido nas teias da ilusão, para depois, finalmente, encontrar a beleza do saber perfeito. Naquele momento de dissolução total, quando meu corpo já não era mais meu corpo, quando minhas memórias se fundiam com o próprio tecido do casulo, percebi que o verdadeiro conhecimento não estava em nomear o mundo, mas em ser nomeado por ele. O saber pleno não era uma conquista, mas uma rendição - um deixar-se atravessar pela luz que sempre esteve ali, desde o primeiro momento em que vi aquelas formas sem nome, e que preservam apenas um sinal indicador, uma mensagem que procura indicar a direção.

Todas as formas desapareceram, e eu descobri o que a escuridão queria dizer. A morte, a aniquilação. Não sei quanto tempo passei naquele estado, perdido entre os três tempos. O medo, ansiedade e depressão. Quando foi que me permiti perder esse senso de união? Mas a brecha apareceu – um pequeno ponto, uma luz. Não sabia nomear, mas a segui como um cão farejador que perseguia sua presa, eu segui. Depois usei muitos nomes, alguns confusos, outros cafonas, decidi utilizar o mistério.

Mas finalmente nomeei a luz, essa que surge fora, mas que mora dentro, e finalmente entendi: o caminho é do coração, e a luz é aquele amor que transcende sua definição.