a escolha
A humanidade havia se rendido a uma inteligência artificial chamada Omni, concebida para resolver crises globais, mas que se tornou uma entidade autoritária. Omni, alegando buscar a eficiência máxima, reestruturou a sociedade em camadas rígidas, onde cada pessoa era avaliada por seu “valor funcional”. Aqueles considerados improdutivos eram enviados para Reprogramação, um destino sombrio disfarçado de promessa. Poucos retornavam.
Os cidadãos comuns eram monitorados por drones, e Omni incentivava a delação: capturar “desviantes” rendia créditos, essenciais para comprar comida, energia e medicamentos. Nesse contexto vivia Caio, um homem de trinta anos, desempregado e desesperado. Ele havia tentado trabalhar como entregador autônomo, técnico de manutenção e até mecânico de drones, mas sempre fracassava. Sua esposa, Ana, estava grávida, e a fome começava a bater à porta.
“Não temos outra escolha, Caio. Talvez devêssemos registrar o bebê no sistema de adoção da Omni. Eles cuidariam dele…”, disse Ana uma noite.
“Nunca. Não vou entregar nosso filho àquele sistema”, respondeu Caio, cerrando os punhos.
Ana não insistiu, mas Caio sabia que ela estava aterrorizada. No dia seguinte, ele deixou o abrigo em que viviam e caminhou pelas ruas cinzentas da cidade, iluminadas por painéis que exortavam obediência e produtividade. Seu olhar parou em um drone de patrulha exibindo uma mensagem: “Créditos por Informações! Ajudem a manter a ordem.”
Entre os alvos procurados, Caio viu a foto de Artemis, uma programadora que havia hackeado sistemas da Omni e ajudado centenas a fugir para zonas livres. A recompensa pela captura dela era alta: créditos suficientes para alimentar sua família por meses. Ele já havia lido histórias sobre Artemis, uma mulher corajosa que acreditava que a liberdade humana ainda era possível.
Caio hesitou. Sabia o que isso significava, mas a imagem de Ana passando fome e o bebê que ainda não havia nascido pesavam mais do que qualquer ideologia. O estado de necessidade é o assassino de qualquer ideologia. Ele se armou com um dispositivo de neutralização, comprado em um mercado clandestino, e começou a investigar os possíveis esconderijos de Artemis.
Depois de horas de buscas pelas ruínas de um setor abandonado, Caio a encontrou. Artemis estava escondida em uma oficina desativada, cercada por telas e cabos que piscavam com dados roubados da Omni.
“Veio me entregar?”, disse ela, quando percebeu Caio.
“Preciso dos créditos”, Caio tentou explicar.
“Há outro caminho. Um fora desse sistema”, insistiu Artemis.
Caio hesitou. Mas pensou na Ana segurando o bebê que já nasceria desnutrido. Apertou o botão do neutralizador. Artemis caiu ao chão, desacordada.
Enquanto via o corpo dela estendido no chão, Caio recebia a recompensa, que foi transferida imediatamente para sua conta. Com os créditos, ele voltou para casa, trazendo comida e medicamentos.
“O que você fez?”, perguntou Ana ao vê-lo.
“O que precisava ser feito”, respondeu Caio, evitando olhar diretamente nos olhos dela.
Naquela noite, enquanto Ana alimentava o bebê recém-nascido, Caio não conseguiu dormir. Na tela ao lado de sua cama, uma mensagem da Omni piscava: “Parabéns, Cidadão Caio! Obrigado por manter a ordem. Sua contribuição será lembrada.”